Nos últimos dias temos acompanhado a discussão sobre o aumento do teto da dívida americana. Essa política foi estabelecida durante a Primeira Guerra Mundial, momento em que o país precisava de recursos adicionais para financiar a guerra. Em termos práticos, caso o governo atinja o teto, ele não pode emitir novos títulos públicos para financiar suas despesas e, se o limite não for ajustado, o país dá “calote”, o que geraria uma enorme crise de confiança global, além de uma crise econômica global, com desvalorização da moeda e aumento da taxa de juros. Desde a criação, esse teto já foi modificado diversas vezes conforme a necessidade de financiamento ao longo do tempo. Historicamente, a aprovação de um aumento no teto é polêmica e a discussão costuma ser acalorada, porém nunca deixou de ser aprovada. No caso atual, estamos à espera de uma resposta que tem até o dia 1 de junho para ser resolvida.
O PMI composto de maio, indicador de atividade econômica americana, apresentou aceleração, ficando em 54,5 pontos e acima do esperado pelo consenso. Decompondo o índice, podemos observar que o setor de serviços continua em patamar de expansão, acima de 50 pontos, enquanto o setor de manufatura desacelerou, ficando abaixo desse nível. A aceleração de serviços pode ser explicada pelo aumento de novos pedidos pelo terceiro mês consecutivo. Mesmo com uma pressão nos custos, as companhias têm espaço para repassar esses custos nos preços. Ainda, a demanda por trabalhadores está no nível mais alto dos últimos 10 meses. Esses dados corroboram com o viés altista na estimativa de crescimento do PIB em 2023. O mercado de trabalho apertado, o excesso residual da poupança e a desaceleração da inflação devem sustentar o consumo por mais tempo do que o esperado.
Essa semana foi divulgada a ata do FOMC referente à política monetária. O comitê divulgou que apesar de o mercado de trabalho permanecer apertado, observam que há uma diminuição no desequilíbrio entre a oferta e a demanda, com diminuição nas taxas de aberturas de vagas. Em relação ao crescimento, o comitê espera que haja uma desaceleração no PIB nos próximos dois trimestres. Além disso, a inflação segue sendo um ponto de atenção para o FOMC. E, tendo em vista a dinâmica do núcleo de inflação e o ECI (métrica para salários), as projeções para o nível de preços foram elevadas pelos participantes, apesar de não gerar desancoragem das expectativas. Esperava-se que o estresse no setor bancário geraria um aperto financeiro ainda maior no país ajudando a segurar a inflação, entretanto parece que esse aperto não foi da magnitude que imaginavam. De forma geral, o setor bancário segue bem capitalizado, sem gerar grandes problemas para a maioria dos bancos. Com tudo isso, alguns membros comentaram que essa lentidão da convergência da inflação pode ser justificativa para novas altas na fed fund rates, mas com um maior volume de membros inclinados pelo não ajuste. Por fim, reforçaram a importância de ressaltar que estão adotando a abordagem “dependente de dados”.
O PCE, índice de preços de gastos com consumo, considerado favorito do Fed, apresentou uma aceleração de 0,4% m/m em abril, acima do consenso. O núcleo também veio acima das expectativas, com uma alta de mesma magnitude. Na análise setorial, foi possível observar uma aceleração disseminada entre os grupos. Com esses dados, o deflator apresenta médias móveis anualizadas perto de 4% com expectativas de convergência da inflação para a meta somente em 2025. Assim, tendo em vista as projeções para os próximos meses e o aperto do mercado de trabalho junto desse novo dado de inflação, o BTG sustenta sua tese de que não devem ocorrer cortes na taxa de juros americana esse ano.
O resultado da Nvidia foi divulgado essa semana com números acima do esperado. A empresa teve um faturamento de US$ 7,19 bilhões contra US$ 6,52 bilhões do consenso com um guidance de US$ 11 bilhões para o segundo trimestre, o que seria seu recorde de faturamento. Além disso, o lucro foi 18% acima do consenso, ficando em US$ 1,09/ação. A empresa informou que o bom desempenho pode ser explicado por uma maior demanda de chips de última geração, usados nos sistemas de inteligência artificial, para companhias de computação em nuvem, além daquelas de serviços de internet. Com esse anúncio a ação atingiu sua máxima histórica, mais que dobrando desde o início do ano.
Brasil
Essa semana aconteceu a votação da versão mais atual do novo arcabouço fiscal, proposto pelo ministro da fazenda, Fernando Haddad, na Câmara dos Deputados. As votações rejeitaram todos os destaques apresentados pelos partidos, de forma que o texto permaneceu inalterado. Dessa forma, a proposta será enviada para votação no Senado. De maneira geral, o projeto dita regras que procuram manter as despesas abaixo da receita a cada ano e, em caso de receita excedente, deverão ser usadas apenas em investimentos. Acreditamos que o principal problema da proposta é a falta de clareza em relação a origem da receita, a qual o governo promete que irá subir, mas ainda não mostrou seus planos para isso. Além disso, o texto não prevê nenhum tipo de punição para aqueles que desrespeitem essa regra até 2026, ou seja, até o último ano de mandato do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O presidente da Previ, João Luiz Fukunaga, foi afastado de seu cargo pela justiça. Isso aconteceu pois não é possível comprovar que possui a habilidade técnica necessária para atuar na posição. Mais especificamente, o juiz responsável pelo caso afirmou que não havia comprovação de Fukunaga ter exercido pelo menos três anos em cargos de funções administrativas, jurídicas ou contábeis, como é exigido pela lei. Esse episódio é um indicativo de que a fiscalização das instituições nacionais não é mais tão frágil quanto era há alguns anos.
O IPCA-15 de maio teve uma variação de 0,51% m/m, ficando cerca de 20% abaixo do que o mercado esperava. Dessa forma, o índice apresenta uma alta de 3,12% acumulada no ano. Na análise setorial, sete dos nove grupos pesquisados apresentaram um avanço nos preços no mês. Os destaques, entretanto, foram os grupos de saúde e alimentação e bebidas. Qualitativamente o indicador mostrou uma melhora, com a difusão de serviços no menor patamar desde novembro de 2021 e a difusão geral permaneceu abaixo de 65%. Ainda, o núcleo do índice também foi abaixo das expectativas e nos últimos 12 meses todos os principais núcleos apresentam queda. Esse resultado trouxe otimismo para o mercado, com maior possibilidade de cortes significativos na taxa básica de juros brasileira.
Mercados
Nessa semana agitada, os mercados performaram de forma mista, refletindo a bateria de dados econômicos e trajetória inflacionária das economias globais. No plano internacional, a divulgação do índice das despesas de consumo pessoal americano (PCE), indicador de atividade econômica (PMI), ata do FOMC e continuação das discussões acerca do teto da dívida (debt ceiling) foram os principais drivers de preço. No brasil, mercado de olho na aprovação do arcabouço fiscal e IPCA-15 de maio.
Como já esperado, a aprovação do arcabouço fiscal não fez tanto preço nos ativos brasileiros nessa semana. Temos que considerar que a efetivação da nova proposta sinaliza uma melhora frente a um cenário vigente sem nenhum mecanismo de controle do crescimento dos gastos e despesas públicas que ficam fora da meta de primário. Entretanto, pode-se dizer que essa aprovação já vinha sendo precificada dentre o horizonte de três meses e é por isso que vimos o mercado doméstico reagir desde então. Isso se deve principalmente a uma melhora da percepção de risco local e trajetória da dívida, o que aliviou as curvas de juros e, portanto, beneficiou setores mais sensíveis a Selic, como o de varejo e construção. Vale lembrar que por mais que um cenário positivo veio sendo precificado, vemos diversas brechas na proposta e não a consideramos sustentável no longo prazo.
Em contrapartida, a divulgação do IPCA-15 de maio mexeu bastante com o Ibovespa no pregão de quinta-feira. Viu-se não só uma melhora no headline, como também uma melhora geral nos núcleos, sugerindo que a política monetária está fazendo efeito. Com isso, vimos a bolsa subir e curvas de juros precificarem um prêmio de risco doméstico menor. De qualquer modo, é necessário um conjunto de medidas positivas para poder enxergar realmente uma mudança em como deveria ser conduzida a política monetária. Seguimos acreditando na extensão de uma condução cautelosa e patamar de juros ainda elevado e paralisado por um bom período.
A ata do FOMC confirmou aos mercados uma percepção de um comitê mais dividido. O diagnóstico do FED se baseou em uma economia ainda resiliente, mercado de trabalho apertado e núcleo do setor de bens voltando a surpreender negativamente. Dado nível de incerteza atual, a opcionalidade de pausar o ciclo entrou em pauta com uma narrativa de recolher mais dados e esperar julho para tomar uma decisão mais certeira. Na esfera do teto da dívida dos EUA, as negociações estão entre altos e baixos, com uma enorme divisão entre democratas e republicanos. O cenário base para o mercado é que a economia não vai dar default e estenderão o prazo. No pior dos casos, se isso não ocorrer e o problema não for endereçado, teremos uma preocupação com o dólar e veremos a curva de juros americana bem pressionada.
Com o novo plano fiscal em jogo, inflação de maio e volatilidade das principais commodities, o Ibovespa acumulou uma alta de 0,15% na semana, fechando aos 110.905 pontos. O destaque corporativo fica para a Alpargatas, que anunciou uma oferta pública para a aquisição de até 32 milhões de ações da companhia. As ações seriam adquiridas pelo preço de R$10,50, o que corresponde a um prêmio de aproximadamente 17% do preço de fechamento de sexta-feira passada. Segundo divulgado, o objetivo da oferta é viabilizar o aumento da participação societária de um dos grupos acionistas na empresa. Após o OPA, as ações dispararam e lideraram as principais valorizações da semana.
Resumindo, o dólar ficou estável e as curvas de juros fecharam, precificando um menor prêmio de risco nacional. Tivemos um volume misto no Ibov, que se consolidou positivo nos últimos dois dias da semana. Os mercados seguem monitorando as trajetórias inflacionárias dos blocos econômicos e acompanhando a dinâmica acerca das negociações do teto da dívida americana.
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