Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, fez um discurso no Senado americano esta semana, em que demonstrou preocupações em relação à inflação dos EUA. Os dados econômicos mais recentes de emprego, produção industrial, gasto do consumidor e, especialmente, de inflação ao consumidor vieram mais fortes do que o esperado, revertendo a tendência de desaceleração observadas anteriormente. O destaque dado à inflação veio pelo fato de que existem poucos sinais de desinflação no setor de serviços, o qual representa mais da metade do índice. As pressões inflacionárias estão ainda maiores do que o previsto pelo comitê na última reunião. Por isso, o presidente do Federal Reserve indicou que a taxa terminal dos juros americanos deve ser maior do que esperado anteriormente e que o FOMC não hesitará em voltar com os aumentos de maior magnitude na fed fund rate caso se mostre necessário. Powell manteve o discurso de que o nível restritivo se manterá por mais tempo.
Essa semana foi divulgado o relatório JOLTS, uma pesquisa que serve como indicador de falta ou excedente de força de trabalho. A leitura mostrou que o mercado de trabalho está, aos poucos, entrando em ritmo de arrefecimento. Foi observado uma queda de vagas abertas no mês janeiro em relação a dezembro, superior a 6% do mesmo dado de janeiro do ano passado. Fora isso, a taxa de desligamentos, mesmo após a revisão dos dados de 2022, se iguala a taxa pré-pandemia mais baixa da história. De maneira geral, podemos entender que a demanda por mão de obra ainda é bem alta, apesar de estar em declínio, mostrando que o mercado de trabalho está esfriando paulatinamente.
O payroll de fevereiro dos EUA registrou 311 mil vagas criadas, enquanto o mercado esperava 225 mil. A surpresa é proveniente, principalmente, do setor de serviços. Porém, corroborando com o JOLTS, a taxa de desemprego saiu de 3% em janeiro para 3,6% em fevereiro, ficando acima das expectativas de estabilidade. Ainda é possível perceber um mercado de trabalho apertado, com uma taxa de vacância de 1,9 vaga por desempregado. Tendo em vista o discurso de Powell, essa leitura nos leva a acreditar que o FOMC deve sustentar o discurso de que o ciclo de aperto monetário deve ser ainda mais intenso e longo.
Começam as discussões sobre taxa de juros em torno de 6% e os impactos na economia americana. Este cenário foi reforçado pela fala recente do presidente do Federal Reserve. O BTG está estimando o pico da taxa de juros entre 5,50% - 5,75% em julho de 2023 e permanecendo nesse nível até o final do ano. Cada vez mais gestores começam a pensar nos juros americanos chegando em 6%. Esse cenário provavelmente resultaria num dólar mais forte, um crescimento global mais fraco e uma queda nos “valuations” dos ativos de risco, como bolsa e ativos imobiliários. O tema recessão volta a ser discutido. Um nível de juros mais altos também pode ser negativo para os mercados emergentes. Este cenário nos leva a continuar cautelosos, principalmente, em relação à bolsa americana e a bolsa no Brasil.
Brasil
Começou a ser discutida a tese da antecipação da queda de juros no Brasil. Os sinais de desaceleração da atividade econômica e a preocupação dos agentes com o mercado de crédito têm levado a curva de juros a precificar chances cada vez maiores de redução da Selic já em maio. Para a reunião de maio do Copom, os preços apontam 14% de chance de um corte de 0,25 ponto e 16% de possibilidade de uma redução de 0,5 ponto. Uma das dúvidas do mercado é como o Banco Central irá incorporar o aperto de crédito em seus modelos e no balanço de riscos para a inflação. Outra questão que está sendo discutida é se ocorrerá apenas um ajuste na taxa ou se iniciará um ciclo que leve a Selic para um nível neutro.
Os dados do Caged de janeiro mostraram que o mercado de trabalho brasileiro teve uma abertura líquida de aproximadamente 83 mil vagas formais. Esse resultado foi acima do esperado pelo consenso de 70 mil vagas e, apesar da surpresa positiva, o mercado de trabalho deve desacelerar esse ano de forma gradual. Isso porque estamos enfrentando um cenário de alta taxa de juros e de baixo crescimento econômico, de forma que a geração de emprego será prejudicada ao longo do ano.
O IPCA de fevereiro teve uma leitura acima do esperado, com alta de 0,84% m/m vs. 0,78% da expectativa do mercado. Esse dado representa uma aceleração em relação à leitura de janeiro, explicada pela sazonalidade, relacionada ao segmento de educação. Além disso, a surpresa altista se deu principalmente por conta do aumento de 1,16% m/m no preço da gasolina, impactando o segmento de transportes. O ano de 2023 deve ser desafiador em relação à inflação, já que as mudanças no arcabouço fiscal e o consequente aumento nos prêmios de risco devem atrapalhar a convergência da inflação ao centro da meta nos próximos 12 a 24 meses.
Na quarta-feira, a Simpar apresentou bons resultados no 4T22. Sua receita líquida somou R$ 7,4 bilhões, 7% acima do esperado pelo BTG, e cresceu 79% a/a. O EBITDA ajustado da empresa foi R$ 1,9 bilhão, com um crescimento de 40%, alinhado com a expectativa do mercado e um lucro líquido de 169 milhões, marcado por subsídio de ICMS da Automob, JSL e Vamos. Porém, a estrutura de dívida não é tão positiva, com 3,5x de dívida líquida/ EBITDA e alto custo de dívida, que prejudicam as margens líquidas da empresa, fazendo seu lucro líquido ajustado cair 59% ao ano, enquanto sua receita líquida subiu 79%. A empresa mostrou que pode apresentar bons números mesmo com condições desfavoráveis. Porém, o nível atual de endividamento da empresa causa certa incerteza no momento de investir.
Houve uma discreta melhora no 4T22 após um ano desafiador para Magazine Luiza. Os números do último trimestre foram em linha com o consenso do mercado. O e-commerce brasileiro sofreu no último ano, mas mesmo nesse cenário, a Magalu aumentou em 16% a/a seu GMV, somando R$ 17,8 bilhões, próximo do esperado. Seu EBITDA ajustado foi de R$ 674 milhões e cresceu 176% a/a, e seu FCF somou R$ 2,2 bilhões nesse trimestre, superando o 3T22, em que o fluxo de caixa estava em R$ 324 milhões negativo. Para o ano de 2023, uma melhora gradual é esperada pelo mercado, mas o varejo vem sofrendo bastante com o cenário macro, e não podemos esperar margens positivas da Magalu nos próximos trimestres.
SLC Agrícola apresentou resultados do 4T22 com números sólidos e sem surpresas. O EBITDA ajustado de R$ 590 milhões representou um aumento de 2% a/a. A vendas de soja cresceram em 43% a/a, porém as menores margens brutas de algodão e soja resultaram em uma queda na margem EBITDA, que em 2022 atingiu seu recorde, alcançando R$ 3,05 bilhões e, dessa forma, diminuindo o índice de alavancagem para 0,85x dívida líquida/EBITDA. Acreditamos que a empresa esteja inserida em um setor beneficiado por um cenário extremamente favorável, com preços das commodities em alta, desvalorização do real contra o dólar e a normalização dos preços dos fertilizantes.
Mercados
Nessa semana adversa e movimentada, a volatilidade dos ativos e das curvas de juros futuras ditaram o ritmo dos mercados. No âmbito global, os discursos de Jerome Powell sobre a política monetária americana, a crise dos bancos e a divulgação do payroll foram os principais headlines. Na esfera doméstica, o anúncio de um arcabouço fiscal que promete agradar a todos, com estabilização da dívida pública ao mesmo tempo que permite que o governo possa investir em áreas prioritárias, proporcionou otimismo no Brasil. Mas essa tendência logo se esgotou, contaminada pela maior aversão ao risco nos EUA.
Com uma inflação ainda fora da meta e juros altos, o mercado precifica um cenário difícil para o crédito. Deve-se isso a corrosão da renda real das famílias e endividamento pelos juros. Essa dificuldade de acessar recursos transitou das pessoas físicas para as empresas, de uma forma muito rápida e influenciou, como um todo, vários setores da economia.
Dado agravamento dessa crise de crédito decorrente do Caso da Americanas, o governo Lula pode ter um novo aliado no movimento de pressão para que o Banco Central comece a baixar os juros. O setor produtivo, que viu a fonte de crédito secar, enfrenta dificuldades de curto prazo, tendo que enxugar estruturas e adiar pagamentos. Com isso, uma nova oposição à política monetária atual de juros altos pode surgir, pois o setor demanda crédito recorrente com juros menores para poder crescer. Essa falta de crédito atual pode ser justificada por dois principais fatores, que são (i) a queda relevante na emissão de debêntures e (ii) pipeline de bancos restrito dado impacto do caso da Americanas, que gerou R$40 bilhões de prejuízo.
No Ibovespa, a semana foi marcada pelo rally das companhias aéreas e pela divulgação de resultados corporativos. A Azul anunciou um acordo de renegociação de 90% das dívidas de arrendamento dos aviões, o que agradou o mercado no geral devido a sinalização de reestruturação dos débitos. O grande problema da companhia para 2023 era o pacote de dívidas que foram negociadas na época da pandemia e que com os reajustes da taxa Selic desde então, ficaram cada vez mais caras. Essa renegociação pode ser considerada como um respiro para a companhia, que não gerou caixa suficiente para arcar com os compromissos programados no cronograma de amortização e arrendamento para esse ano. Entretanto, o resultado operacional do 4T22 surpreendeu positivamente o mercado. Na comparação anual, a empresa apresentou um aumento relevante na receita líquida e no EBITDA (capacidade de geração de caixa). A Gol, concorrente direta da Azul, também apresentou seus números do 4T22 e um financiamento de R$1,4 bilhões por meio da emissão de bonds. A empresa reverteu o prejuízo do mesmo período do ano anterior e reportou um lucro líquido de R$230 milhões. No geral, os resultados operacionais positivos alinhados a uma rolagem das pressionadas despesas financeiras destravaram o valor das ações, resultando na valorização evidenciada. O destaque negativo ficou para Hapvida, com resultados decepcionantes também no último trimestre. Em suma, a visão piorou principalmente por conta de um crescimento mais fraco, sinistralidade em dificuldade de normalização e hipótese de venda de ativos para aumentar capital e reduzir a alavancagem.
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